segunda-feira, 28 de junho de 2010

A segunda onda de destruição

Estamos vivenciando uma catástrofe que escancara em rede nacional a agudização de nossa fragilidade crônica. Passado o susto em forma de onda tisunâmica, frente à exposição das feridas dos muitos sobreviventes, resta a reconstrução de nossas vidas e de nossos lares. É importante lembrar que estamos diante do próximo desafio que é sobreviver à segunda onda que poderá ceifar mais vidas como efeitos secundários tão ou mais devastadores que a primeira grande onda que percorreu o leito dos rios. As condições inóspitas que as populações vitimadas se encontram, como as péssimas condições de higiene e habitação, expõem aos frágeis corpos situações que favorecem varias afecções em especial as doenças de veiculação hídrica e infecto-contagiosa como a Febre Tifóide, Hepatite A e Leptospirose, entre outras. Aliado ao risco de condições bastante favoráveis a proliferação da cólera caso tivéssemos a presença do agente etiológico (vibrião colérico), que felizmente ainda estamos com a sorte de não abrigarmos tal agente em nosso meio. A aglomeração dos sobreviventes nos abrigos e nas casas ainda que parcialmente destruídas, favorecem também a proliferação de doenças respiratórias desde as infecções virais, às pneumonias e a tuberculose, a semelhança de épocas remotas como da idade média, onde populações inteiras eram vitimadas pelas sucessivas pestes. É importante lembrar dos riscos ainda das doenças emergentes como a Dengue e da endêmica Esquistossomose.

A dificuldade de acesso às ações e serviços de saúde ainda é um grande complicador, pois já muito anterior à atual catástrofe em nosso pobre Estado rico com perfil de histórica iniqüidade e lógica do cuidado inverso (pois quem mais precisa é quem menos possui cobertura às políticas públicas). Nosso Estado que apresenta uma população com 92% dependente única e exclusivamente dos serviços públicos de saúde, revelam na histórica desassistência e em especial das populações mais carentes nossos índices de mortalidade infantil, índice de desenvolvimento humano ou tantos mais indicadores existentes, revelando o quanto ainda temos o que avançar.

Faço um recorte especial para nossas crianças, estas que revelam em seu sofrimento e desamparo a face mais trágica e devastadora desta iniqüidade. Convivi de perto com esta realidade ao prestar atendimento médico a estas crianças em Santana do Mundaú que é uma das cidades mais castigadas. Observamos as doenças respiratórias como pneumonia e infecções de vias aéreas superiores. Doenças entéricas como as parasitárias, diarréia com desidratação, além de várias infecções de pele e outros problemas como maior risco de acidentes nos abrigos improvisados e nas ruas. Órfãos até do passado de registros de saúde, muitos perderam todos os pertences. Crianças carentes das ações de promoção, dependentes até de adequada cobertura vacinal e de acompanhamento da garantia do pleno desenvolvimento sadio e harmonioso, conforme estabelece no Estatuto da Criança e do Adolescente.

Crianças muitas delas tristes e doentes e mais expostas e dependentes do cuidar dos adultos. Pequenos demais para tamanho sofrimento que passam e mais do que nunca, susceptíveis a serem tragados pela segunda grande onda que se aproxima. Esta população de crianças descalça mal nutridas e subjugadas a toda sorte de negligência que vai do risco de contaminação dos alimentos como de todo ambiente de estresse e da violência da desassistência.

A esperança pela solidária compaixão é ainda o ânimo de quem encontra forças para superar as própias fraquezas. A resiliência, palavra emprestada da física que identifica a capacidade que alguns materiais possuem de retornar ao estado original após ser submetido ao estresse, talvez ajude a explicar a capacidade que muitos terão ao reconstruir sua história de superação e emergir das ondas que virão.

Contamos com a colaboração de todos e em especial dos colegas pediatras para reunirmos um maior número possível de voluntários neste compromisso de cidadania.

Cláudio Soriano

Pediatra e Presidente da Sociedade Alagoana de Pediatria e do Conselho Estadual dos Direitos da Criança e do Adolescente de Alagoas

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